Exatos trinta e quatro atrás, num Brasil aprisionado por uma ditadura militar, o bairro da Lapa entraria para história dos anos de chumbo ( Veja Entrevista). O 16 de dezembro de 1976 passaria a ser conhecido nacionalmente como o dia da Chacina da Lapa, episódio que rendeu um livro editado pelo Instituto Maurício Grabois (editado no trigésimo aniversário do assassinato de dois militantes do PCdoB na referida chacina pelas forças de repressão).
"Comunico-lhe que o seu PCdoB acabou!”. Esta frase dita por um policial-torturador ao dirigente comunista Haroldo Lima um dia após sua prisão. Ela mostra bem a arrogância dos agentes da ditadura militar. Os fatos, porém, pareciam confirmar aquele trágico anúncio.
Um jornal do dia 17 de dezembro, ecoando a opinião do regime discricionário, também estampava: “O PCdoB foi destruído”. Esta não seria a primeira vez que frases como essas seriam pronunciadas e impressas com destaque na grande imprensa.
No dia anterior (16 de dezembro), numa verdadeira operação de guerra, os órgãos de segurança invadiram uma casa modesta – localizada na Rua Pio XI, nº 767 no bairro da Lapa em São Paulo – e assassinaram friamente dois dos mais importantes dirigentes comunistas brasileiros: Pedro Pomar e Ângelo Arroyo. Poucas horas antes outro dirigente, João Batista Drummond, havia sido morto durante uma sessão de tortura no DOI-CODI
paulista no mesmo dia de sua captura, ocorrida em 15 de dezembro. Pela versão mentirosa da ditadura, Ângelo e Pedro haviam resistido à prisão e João Batista havia sido atropelado ao tentar fugir da polícia.
Este foi o último massacre de militantes de organizações da esquerda que combatiam o regime de 1964. Apesar de sua importância para a história brasileira, este acontecimento é ainda pouco conhecido. Tornou-se quase um senso comum a idéia de que o último assassinato político cometido pela ditadura teria sido o que vitimou o jornalista Wladimir Herzog em 23 de outubro de 1975 ou mesmo o assassinato do operário Manoel Fiel Filho, ocorrido nas mesmas condições menos de três meses depois.
Os assassinatos desses dois militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), ocorridos cerca de um ano antes do trágico acontecimento da Lapa, tiveram grande repercussão e desencadearam protestos de amplos setores da sociedade brasileira e no Exterior. O escândalo levou à demissão do comandante do II Exército, general Ednardo Mello. Este representava o setor mais truculento do regime e se opunha à “abertura lenta, gradual e segura” apregoada pelo presidente Ernesto Geisel.
Ednardo foi 12 substituído pelo general Dilermando Monteiro, considerado um membro da ala liberal do regime. Para muitos, esta mudança de comando teria consolidado a transição para a democracia e colocado um fim ao terrorismo de Estado, iniciado em abril de 1964 e radicalizado com a promulgação do AI-5 em dezembro de 1968. No entanto, a Chacina da Lapa seria um duro desmentido a esta tese. No Brasil de Geisel e Dilermando ainda se torturavam e se matavam aqueles que ousassem desafiar o poder militar. Durante aquele governo dito liberal, por exemplo, foram assassinados os últimos guerrilheiros do Araguaia e iniciou-se a operação de extermínio da direção do PCB.
O livro Chacina da Lapa - 30 anos depois, dá detalhes da morte de militantes do PCdoB por agentes da repressão, no dia 16 de dezembro de 1976.
"Falar de Pomar, Arroyo e Drummond é uma forma de rendermos homenagem aos heróis e mártires desse período. Papel destacado, evidentemente, tiveram vários dirigentes partidários. No caso deles é importante considerarmos que cada um representa uma de três gerações.
Pedro Pomar – Na época com 63 anos de idade – é da geração de João Amazonas, que reorganizou o Partido em 1943. Pomar vinha do Pará e desenvolvia atividade intelectual. Também foi um dos reorganizadores do Partido em 1962. Por ser de formação intelectual e um comunista de grande experiência deu grande contribuição à orientação do Partido. Ele dominava várias línguas e traduziu o livro Ascensão e Queda do III Reich, em três volumes, e contribuía com várias traduções de livros importantes. Era um
homem de uma longa e destacada militância, dedicada inteiramente ao Partido em aproximadamente 40 anos.
Ângelo Arroyo tem origem operária, de família espanhola que teve papel importante nas lutas operárias de São Paulo no início do século passado. Um operário que se ilustrou no Partido. Ele já é de uma geração posterior à de Amazonas e de Pomar e tinha 48 anos. Arroyo foi formado pelo Partido e passou a escrever com muito talento nesta tarefa.
Entre nós um traidor
A casa onde se reunia a direção nacional do Partido Comunista do Brasil somente pôde ser descoberta graças à colaboração de um traidor chamado Jover Telles. Ele era membro do Comitê Central do Partido e havia sido preso pouco tempo antes, sem que ninguém soubesse, e concordou em colaborar com os órgãos de repressão na captura dos seus camaradas. Um agente da repressão confirmou que Jover havia sido preso no Rio de
Janeiro três meses antes e decidido colaborar para o desmonte da direção
partidária “em troca de bom tratamento e emprego para ele e sua filha na
fábrica de armas Amadeo Rossi, no Rio Grande do Sul”.
Em 1996 Jover Telles foi candidato a vereador pelo PPB de Paulo Maluf na pequena cidade
que, ironicamente, chamava-se Arroio dos Ratos. Conforme revelado no livro Operação Araguaia: os arquivos secretos da guerrilha, de Taís Morais e Eumano Silva, em 8 de dezembro Jover Telles dava um depoimento cordial aos órgãos de repressão e no dia 11 se apresentava no ponto em que deveria ser pego e transportado para o local onde ocorreria a reunião da Comissão Executiva do PCdoB.
Esta se realizou entre 12 e 13 de dezembro e no dia seguinte teve início a reunião do Comitê
Central. Mesmo sabendo que a casa estava cercada e os membros da direção
comunista poderiam ser presos e até mortos dentro de poucas horas, ele calmamente participou de toda a reunião e durante os debates ainda se colocou
entre aqueles que mais duramente criticaram a experiência armada ocorrida
na região do Araguaia.
Em 15 de dezembro, quando os participantes da reunião começaram a abandonar o local, sempre conduzidos por Elza Monnerat e o motorista Joaquim Celso de Lima, o cerco policial se fechou e foram iniciados as prisões e o frio extermínio dos dirigentes comunistas. Foram aprisionados, e depois barbaramente torturados, cinco membros do Comitê Central, Elza Monnerat, Aldo Arantes, Haroldo Lima, Wladimir Pomar, João Batista Drummond, além de dois militantes: Joaquim Celso de Lima e Maria Trindade.José Novais, que teve a sorte de sair junto com Jover Telles, foi o único participante da reunião, além do traidor, a não ser preso. Se apenas Jover escapasse ileso atrairia a atenção sobre ele. Na manhã do dia 16 de dezembro iniciou-se o derradeiro ataque contra a casa onde ainda se encontravam dois membros do Comitê Central: Ângelo Arroyo e Pedro Pomar.
Segundo testemunhas, eles estavam desarmados e não lhes foi dada nenhuma chance de defesa. A repressão chegou atirando. O corpo de Pomar tinha cerca de 50 perfurações de bala. A polícia política remontou a cena do massacre, colocando armas ao lado dos corpos inermes, e divulgou a falsa versão de que haviam sido mortos durante um intenso tiroteio. Já em plena abertura política, a maioria dos órgãos da grande imprensa vendeu a versão oficial, sem grande contestação".
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