terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Memórias - Lembranças natalinas na Lapa


Em agosto deste ano,Paulo Fábio Roberto deixava no site São Paualo Minha Cidade (Da Prefeitura de São Paulo)o seguinte texto:  


“Era época de Natal, ainda morava na Vila Mariana. Meu pai tinha uma casa na Lapa, Rua Albion. Nela moravam, além de minha avó Carolina, meus tios Roque e Lydia, ambos solteiros e tia Lúcia (irmã de meu pai) viúva e professora de piano, com seu filho Antonio Carlos.

Como em todos os natais, visitávamos a vovó Carolina. Era de praxe. Vovó era a matriarca dos Roberto, especialista em reunir o maior número de membros da família, em datas comemorativas. Para a casa dela fluíam noras, genros, filhos netos e alguns bisnetos, além dos irmãos ainda vivos com seus filhos e netos. Parecia, então, um daqueles filmes italianos onde toda a família se reúne em volta de uma mesa, que chega a lembrar aquela da "Santa Ceia de Da Vinci", onde todas as situações mais estapafúrdias podem se desenrolar: desde uma enorme briga entre os parentes por aparentemente nada, até as mais altas demonstrações de emoção afetiva entre alguns membros mais "etilizados" devido aos efeitos dos aperitivos antes do almoço. Drinques preparados caprichosamente pelo Tio Roque, e que algumas das crianças esperavam para provar as sobras enquanto os adultos se distraiam.

Eu estava lá pelos meus cinco anos de idade. Como de costume, dormira na casa de minha avó para, junto com meu primo Antonio Carlos, esperarmos a chegada de "Papai Noel" e abrirmos os presentes logo cedinho pela manhã. Era uma farra!

Depois de abrirmos os presentes, tomávamos o café matinal e seguíamos para a Igreja Nossa Senhora da Lapa, onde assistíamos à costumeira missa de Natal, todos juntos. A missa era realizada pelo Monsenhor Marcelo, não o Rossi, mas um obeso, baixo e sisudo senhor de seus 70 anos.

No salão paroquial, ao lado de Igreja, todos os anos era montado um enorme presépio mecanizado. Terminada a missa, eu e o Antonio Carlos não perdíamos a oportunidade de visitar a famosa instalação. Podíamos ver mulheres lavando roupa num rio quase imaginário, ferreiros com suas bigornas, marceneiros serrando, camponeses ordenhando, pastores conduzindo rebanhos, pássaros voando, os Três Reis Magos a caminho da gruta, anjos rondando a manjedoura, e é claro Nossa Senhora, São José e o Menino Jesus. Uma verdadeira obra de engenharia, movida a motor, correias e engrenagens; tocando as famosas músicas natalinas (Noite Feliz, Natal das Crianças, etc.).

Na volta, após os aperitivos servidos aos adultos, a mesa estava posta para o almoço. Em geral e costumeiramente uma deliciosa massa caseira (quase sempre um "raviolli" de ricota ou um "richietelle" ao sugo), seguida de saladas, salpicões, maioneses, carnes recheadas, frango, pernil, farofas e outras delícias. Para os adultos, a bebida era um vinho tinto ou cerveja. Para as crianças, refrigerante. E por último a sobremesa: podia ser um pavê, "pastiera di grano", panetone recheado de sorvete, torta gelada de nozes ou outro doce que as mulheres sempre caprichavam em fazer.

A propósito, os adultos almoçavam na tal mesa improvisada em cavaletes, que ia da longa sala de jantar, atravessando o arco de passagem e findava na sala de estar. E como sempre, as crianças acabavam almoçando numa mesa montada no quintal da casa.

Logo após o almoço, alguns adultos empanturrados de comida, se recolhiam para dormir, distribuídos nos três quartos do segundo andar da casa. O restante do pessoal se reunia para conversar, enquanto algumas das mulheres iam para a cozinha "dar um jeito" na louça.

O piano da tia Lúcia tinha uma função muito importante: minhas primas, Cecília e Sônia (que tocavam muito bem), abriam as partituras de músicas natalinas, reuniam os primos e organizavam coral dividido em vozes (eu era sempre a quarta voz) para cantarmos as músicas da época.

Nesse dia, ao cantarmos Noite Feliz, no meio da música, lembro-me que com meu tremendo temperamento "fechei o maior tempo". Ao chegar à estrofe da Noite Feliz "eis na Lapa, Jesus nosso bem...", interrompi a cantoria e explodi! Quase quebrei os dedos da Cecília, fechando a tampa do piano. Esbravejando, exigi uma explicação de porque na Lapa e não na Vila Mariana onde eu morava. Senti-me excluído... Fiquei inconformado! Ameacei brigar com todo mundo.

Até que minha mãe, num pacificador gesto natalino, me explicou que lapa era a pedra da gruta da manjedoura e não o bairro... Isso deve ter demorado pelo menos dez minutos de briga, até que meu ânimo se acalmasse.

Só assim pudemos continuar com as cantorias. Voltou a reinar a calmaria... E o Natal terminou na mais santa paz, como recomenda a data”.

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