quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Memórias - Lembranças do Anastácio

No site São Paulo Minha Cidade (Prefeitura de São Paulo - SPTuris), moradores registram suas memórias. É o caso de Antonio Rossi dos Santos que em 2009 deixava o seguinte depoimento:


"A velha São Paulo viveu a euforia dos bondes na primeira metade do século XX. Este saudoso veículo foi o responsável pela expansão da cidade e, consequentemente, gerador de riquezas. Os bairros que eram servidos por linhas regulares desenvolviam-se com maior celeridade, caso do Ipiranga, Lapa, Penha, Perdizes, Vila Mariana, dentre muitos outros, todos ligando-se ao centro da cidade pelos trilhos da Light & Power Company.

Havia, entretanto, uma linha especial, a de número 37, que ligava o centro da Lapa à Vila Anastácio. A linha era singela, tendo apenas um desvio na altura do cruzamento da Brigadeiro Gavião Peixoto com a Mercedes, utilizado apenas nos domingos até as 13 horas, quando operavam dois bondes; nos outros dias da semana apenas um bonde saía de hora em hora.

Na minha infância e juventude muitas vezes utilizei o “Anastácio”, como era carinhosamente denominado, algumas das quais sem pagar a passagem, obviamente, fugindo do velho condutor que conhecia seus maus "clientes" até pelos nomes...

Meu pai, antigo morador da Lapa, desvendou-me o mistério sobre a existência da linha 37, visto que era a única que não se dirigia diretamente ao centro da cidade. Ocorre que na Vila Anastácio existia desde o início do século o Frigorífico Armour, situado além do rio Tietê, exatamente onde tem início a Via Anhanguera, cuja área naquela época pertencia à Fazenda Anastácio, lendária propriedade da Marquesa de Santos.

O frigorífico tinha centenas de empregados que moravam na Lapa, ou demandavam outros bairros através dos bondes que partiam da Rua Trindade (atual Cincinato Pamponet). Esta foi a motivação principal para a implantação da linha 37, que até a eletrificação da antiga Estrada de Ferro Sorocabana tinha seu percurso até o portão do Armour e, posteriormente, passou a ter como ponto final a porteira da estrada de ferro no fim da Rua João Tibiriça.

Outro motivo importante para a existência da linha 37 foi o loteamento que a Cia. City empreendeu no Alto da Lapa por volta de 1925, dando origem à conhecida City Lapa. O bonde transportava os novos moradores pelas ruas arborizadas e calmas do lindo bairro que surgia. Pessoas elegantemente trajadas, senhoras inglesas eram passageiros habituais, e, um em especial, que guardo em minhas lembranças, Teixeirinha, famoso ponta-esquerda do São Paulo Futebol Clube, que morava na Rua Duarte da Costa, próximo à minha casa na década de quarenta.

Nos últimos anos de existência o 'Anastácio' podia ser visto trafegando pelas ruas Doze de Outubro, Barão de Jundiaí e Brigadeiro Gavião Peixoto praticamente vazio, o que acelerou sua desativação em meados da década de sessenta, deixando imensas saudades para todos aqueles que dele se serviam.

O leitor deverá estar curioso em saber por que somente nos domingos pela manhã havia dois bondes em operação? É que além da missa e do culto protestante havia a feira livre da Lapa, que tomava literalmente a Rua Monteiro de Mello. Os dois bondes transportavam dezenas de passageiros com as sacolas sortidas de frutas, legumes e verduras que iriam completar a macarronada dominical.

Tempos saudosos que não mais retornam".

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