É tempo de Carnaval, neste ano de 2011. Carnaval que chegou só em março. Tempo de Carnaval é tempo de folia, mas para quem quer ficar longe da batucada vai aqui um momento de pura poesia reflexiva. No site São Paulo, Minha Cidade, da SPTuris (empresa da Prefeitura reponsável pelos eventos na cidade) encontramos o seguinte texto de J.Grassi, datado de 2010.
"A primeira friagem deste outono desceu sonora com sono, das torres de tijolos vermelhos espetadas num céu cor de vidro na igreja de Nossa Senhora da Lapa. E os sinos ondularam nas notas monótonas, soaram lentos e tontos, ficou no ar um instante rondando, sobre os telhados pretos, antigos, da Rua Doze de Outubro no bairro operário da Lapa.
Que estranho! Agora, parece que aquelas mesmas notas lânguidas, que ali tinham descido, começaram a subir. Desdobradas, desfolhadas, esfareladas sobre as travessas das ruas do bairro. É uma ressonância magnética, misteriosa, envolvente, cativante, embaladora sempre em ascensão.
Os sinos das torres da igreja matriz anunciaram: Seis horas da tarde. É a hora da Ave Maria. E aquelas mesmas notas sonoras, lânguidas, desfolhadas, esfareladas, descendo lentamente, ondularam, miaram, ronronaram como gatos, sobre os telhados rasteiros da Rua Nossa Senhora da Lapa e se aglomeram como um canto de onda no côncavo acústico de uma concha.
Lá no entorno das ruas tudo gira como se fosse um gramofone tocando uma sinfonia. Parece que todos os ruídos confusos da cidade se acumularam e convergiram ali, no entorno das ruas transversais no bairro comercial e dos bares baratos da Lapa. É o bairro dos operários.
Na comprida rua há uma chusma de barracas de lona dispostas no meio fio das calçadas todas repletas de gente, sobre o ruído fervilhante de uma ladainha de vozes misturadas, embaralhadas, confusas, entrecortadas, semelhantes a um longo suspiro de uma interjeição de alegria. Como se fosse uma opereta, misturada ao som do pesado e intenso tráfego dos ônibus, automóveis e caminhões pelas ruas. Babel!
Ali perto, existe um bar. Entra um homem com um pastor alemão grande, digno do porte, de pêlo curto e escuro, que passeia entre as mesas e fica no melhor lugar, em posição sentada, com seus olhos escuros vigiando. Tudo inútil. Dentro do bar um bom bêbado gordo com o seu bom chope, também gordo.
O proprietário deste bar costumava fechá-lo de vez em quando, para pregar uma boa peça de gozação aos fregueses. Coloca uma placa retangular pintada de azul dependurada na porta de aço com os dizeres: hoje está fechado para o almoço. Sigo descendo a Rua Nossa Senhora da Lapa, à esquerda, até a Rua Clemente Álvares, junto ao fórum regional da Lapa.
Mais abaixo, próximo ao Quartel do Corpo de Bombeiros na próxima travessa, há uma esquina entre a fachada do prédio de um banco, e algumas lojas comerciais, onde estão montadas as primeiras de muitas outras barracas de lona junto ao meio fio da calçada, na ponta do passeio de pedestres, o camelódromo. Ali, ele desponta com gente em pencas em torno de uma sinfonia de vozes, apregoando as mercadorias contrabandeadas.
Lá é o reino da bugiganga, das cangas, miçangas, das quinquilharias boas e baratas, dos relógios falsificados, imitação grosseira, porém, quase perfeita, de modelos mundialmente conhecidos: Rolex, Ômega, Tissot, e tantas outras marcas Made in China. De dentro de uma barraca de lona, sai um homem grande, moreno, em mangas de camisa, colete desabotoado e um boné na cabeça com a estampa do Corinthians, desenhado no frontal. Ao lado dele, há um velho com um tabuleiro de balas, paçocas e amendoins jogados ao loto.
Duas mulheres de cócoras vendem no meio fio da calçada, pêras verdes e tremoços. Saio dali, e vou caminhando pela Rua Cincinato Pomponet até uma praça onde antigamente existia uma loja de referência e variedades, “Ao Barulho da Lapa”. Mais a frente, num largo arejado, todo cinzento, de calçamento novo, próximo ao Mercado Municipal, em frente aos portões do terminal de ônibus da Lapa, há gente que passa ou pára curioso.
Um homem com uma pianola eletrônica, outro com uma zabumba e outro mais com um triângulo de ferro, usando um gramofone áspero, rouco, rasgado, sempre rangendo, riscando o ar ralo e poluído ao som de uma música cadenciada. Há ali também, uma mulher baixa, saia rodada, um bornal ladeado na cintura fina, lenço no pescoço com adereços de cangaceiro, imita quase que perfeita a mulher rendeira da Maria Bonita de Lampião.
Ela traz no ombro uma cópia quase perfeita de um fuzil como antigamente eram usados nas caatingas no interior de Pernambuco e do Ceará. É apenas uma boa gente que vem ali, para divertir o povo e divulgar o lançamento de seu CD. Ela acompanha o ritmo cadenciado da música hipnótica, batendo o pé firme no chão, dançando no compasso do xaxado de espaço a espaço o Forró e Baião.
À direita, uma travessa. Rua Catão, na esquina dobrada há um Shopping Center. No topo do prédio há um círculo ovóide sobreposto a outro menor, nas cores laranja e branco, sob o marca passo do relógio que espia do alto da torre o burgo de casinhas espremidas, miúdas, todas iguais no entorno do Shopping Center da Lapa. Olhei um pouco para as torres agora distantes da Igreja de Nossa Senhora da Lapa, pensei nas ermidas brancas pelas noites de invernada quando as almas rondam em procissão pelos telhados velhos, pretos e tristíssimos daquelas ruas antigas do bairro da Lapa.
É aqui bem próximo, num terreno de estacionamento, que começa o quadrilátero do quarteirão do Shopping Center e logo ali, mais adiante, na Rua Guaicurus ele termina. Entro pela porta lateral e me misturo com a multidão de homens e mulheres que deslizam pelas calçadas. Na porta das lojas comerciais há moças ansiosas, esperançosas, enroscadas, enoveladas em pensamentos esperando pacientemente, algum freguês para vender algum objeto, alguma roupa de esporte ou suporte, ou alguma bugiganga qualquer.
Enrosco-me, enovelo-me, nesses corredores pardos e vou seguindo a turba. Vou neles, vou com eles, sobre a claridade suave do neon até a porta de uma loteria. Jogo farto, apostas em alta, o prêmio da Mega Sena está mais uma vez acumulado, diz a placa do Baners disposto na porta de entrada da casa lotérica. Quem sabe a sorte não está lá? Vou seguindo pela praça de piso novo marrom esmaltado, reluzente ao reflexo da luz derramada do alto do teto.
No ar rarefeito, sinto o perfume que exala da loja dos aromas, logo ali, mais adiante. Olho curioso à porta de entrada principal onde há uma moderna casa de lanches, servindo sanduíche recheado de carne, alface, cebola e gergelim, quase sempre regado a Coca Cola. É a presença dos Yankee ali. E bandos de jovens e crianças que vem de todos os lados, e ficam no meio da loja, em algazarra, sorvendo o sorvete derretido nas casquinhas em forma de cone. Vou agora caminhando sob as placas de publicidade das lojas até o fim do corredor. Volto.
Ando tudo de novo. No meio da praça está um pequeno quiosque de informações. Vejo-te. É bela recepcionista, sorriso delicado nos lábios, olhar discreto e atencioso está atento à telinha do computador. Dou-lhe algumas balas, mando-lhe um beijo e me despeço. Teu nome? Não sei! Mariana, Marina, Cláudia, Juliana ou Danielle?
Quem sabe! Agora é hora de voltar. Saio novamente pela lateral do Shopping. Olho para o céu e vejo sob rolos de algodão uma lua quebrada, entre grossas nuvens de alegorias, suspensas e arqueadas sobre o bairro nostálgico e poético da Lapa". (http://www.saopaulominhacidade.com.br/list.asp?ID=3885)
Que estranho! Agora, parece que aquelas mesmas notas lânguidas, que ali tinham descido, começaram a subir. Desdobradas, desfolhadas, esfareladas sobre as travessas das ruas do bairro. É uma ressonância magnética, misteriosa, envolvente, cativante, embaladora sempre em ascensão.
Os sinos das torres da igreja matriz anunciaram: Seis horas da tarde. É a hora da Ave Maria. E aquelas mesmas notas sonoras, lânguidas, desfolhadas, esfareladas, descendo lentamente, ondularam, miaram, ronronaram como gatos, sobre os telhados rasteiros da Rua Nossa Senhora da Lapa e se aglomeram como um canto de onda no côncavo acústico de uma concha.
Lá no entorno das ruas tudo gira como se fosse um gramofone tocando uma sinfonia. Parece que todos os ruídos confusos da cidade se acumularam e convergiram ali, no entorno das ruas transversais no bairro comercial e dos bares baratos da Lapa. É o bairro dos operários.
Na comprida rua há uma chusma de barracas de lona dispostas no meio fio das calçadas todas repletas de gente, sobre o ruído fervilhante de uma ladainha de vozes misturadas, embaralhadas, confusas, entrecortadas, semelhantes a um longo suspiro de uma interjeição de alegria. Como se fosse uma opereta, misturada ao som do pesado e intenso tráfego dos ônibus, automóveis e caminhões pelas ruas. Babel!
Ali perto, existe um bar. Entra um homem com um pastor alemão grande, digno do porte, de pêlo curto e escuro, que passeia entre as mesas e fica no melhor lugar, em posição sentada, com seus olhos escuros vigiando. Tudo inútil. Dentro do bar um bom bêbado gordo com o seu bom chope, também gordo.
O proprietário deste bar costumava fechá-lo de vez em quando, para pregar uma boa peça de gozação aos fregueses. Coloca uma placa retangular pintada de azul dependurada na porta de aço com os dizeres: hoje está fechado para o almoço. Sigo descendo a Rua Nossa Senhora da Lapa, à esquerda, até a Rua Clemente Álvares, junto ao fórum regional da Lapa.
Mais abaixo, próximo ao Quartel do Corpo de Bombeiros na próxima travessa, há uma esquina entre a fachada do prédio de um banco, e algumas lojas comerciais, onde estão montadas as primeiras de muitas outras barracas de lona junto ao meio fio da calçada, na ponta do passeio de pedestres, o camelódromo. Ali, ele desponta com gente em pencas em torno de uma sinfonia de vozes, apregoando as mercadorias contrabandeadas.
Lá é o reino da bugiganga, das cangas, miçangas, das quinquilharias boas e baratas, dos relógios falsificados, imitação grosseira, porém, quase perfeita, de modelos mundialmente conhecidos: Rolex, Ômega, Tissot, e tantas outras marcas Made in China. De dentro de uma barraca de lona, sai um homem grande, moreno, em mangas de camisa, colete desabotoado e um boné na cabeça com a estampa do Corinthians, desenhado no frontal. Ao lado dele, há um velho com um tabuleiro de balas, paçocas e amendoins jogados ao loto.
Duas mulheres de cócoras vendem no meio fio da calçada, pêras verdes e tremoços. Saio dali, e vou caminhando pela Rua Cincinato Pomponet até uma praça onde antigamente existia uma loja de referência e variedades, “Ao Barulho da Lapa”. Mais a frente, num largo arejado, todo cinzento, de calçamento novo, próximo ao Mercado Municipal, em frente aos portões do terminal de ônibus da Lapa, há gente que passa ou pára curioso.
Um homem com uma pianola eletrônica, outro com uma zabumba e outro mais com um triângulo de ferro, usando um gramofone áspero, rouco, rasgado, sempre rangendo, riscando o ar ralo e poluído ao som de uma música cadenciada. Há ali também, uma mulher baixa, saia rodada, um bornal ladeado na cintura fina, lenço no pescoço com adereços de cangaceiro, imita quase que perfeita a mulher rendeira da Maria Bonita de Lampião.
Ela traz no ombro uma cópia quase perfeita de um fuzil como antigamente eram usados nas caatingas no interior de Pernambuco e do Ceará. É apenas uma boa gente que vem ali, para divertir o povo e divulgar o lançamento de seu CD. Ela acompanha o ritmo cadenciado da música hipnótica, batendo o pé firme no chão, dançando no compasso do xaxado de espaço a espaço o Forró e Baião.
À direita, uma travessa. Rua Catão, na esquina dobrada há um Shopping Center. No topo do prédio há um círculo ovóide sobreposto a outro menor, nas cores laranja e branco, sob o marca passo do relógio que espia do alto da torre o burgo de casinhas espremidas, miúdas, todas iguais no entorno do Shopping Center da Lapa. Olhei um pouco para as torres agora distantes da Igreja de Nossa Senhora da Lapa, pensei nas ermidas brancas pelas noites de invernada quando as almas rondam em procissão pelos telhados velhos, pretos e tristíssimos daquelas ruas antigas do bairro da Lapa.
É aqui bem próximo, num terreno de estacionamento, que começa o quadrilátero do quarteirão do Shopping Center e logo ali, mais adiante, na Rua Guaicurus ele termina. Entro pela porta lateral e me misturo com a multidão de homens e mulheres que deslizam pelas calçadas. Na porta das lojas comerciais há moças ansiosas, esperançosas, enroscadas, enoveladas em pensamentos esperando pacientemente, algum freguês para vender algum objeto, alguma roupa de esporte ou suporte, ou alguma bugiganga qualquer.
Enrosco-me, enovelo-me, nesses corredores pardos e vou seguindo a turba. Vou neles, vou com eles, sobre a claridade suave do neon até a porta de uma loteria. Jogo farto, apostas em alta, o prêmio da Mega Sena está mais uma vez acumulado, diz a placa do Baners disposto na porta de entrada da casa lotérica. Quem sabe a sorte não está lá? Vou seguindo pela praça de piso novo marrom esmaltado, reluzente ao reflexo da luz derramada do alto do teto.
No ar rarefeito, sinto o perfume que exala da loja dos aromas, logo ali, mais adiante. Olho curioso à porta de entrada principal onde há uma moderna casa de lanches, servindo sanduíche recheado de carne, alface, cebola e gergelim, quase sempre regado a Coca Cola. É a presença dos Yankee ali. E bandos de jovens e crianças que vem de todos os lados, e ficam no meio da loja, em algazarra, sorvendo o sorvete derretido nas casquinhas em forma de cone. Vou agora caminhando sob as placas de publicidade das lojas até o fim do corredor. Volto.
Ando tudo de novo. No meio da praça está um pequeno quiosque de informações. Vejo-te. É bela recepcionista, sorriso delicado nos lábios, olhar discreto e atencioso está atento à telinha do computador. Dou-lhe algumas balas, mando-lhe um beijo e me despeço. Teu nome? Não sei! Mariana, Marina, Cláudia, Juliana ou Danielle?
Quem sabe! Agora é hora de voltar. Saio novamente pela lateral do Shopping. Olho para o céu e vejo sob rolos de algodão uma lua quebrada, entre grossas nuvens de alegorias, suspensas e arqueadas sobre o bairro nostálgico e poético da Lapa". (http://www.saopaulominhacidade.com.br/list.asp?ID=3885)
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